domingo, 22 de junho de 2014

Pesca da piracatinga será temporariamente proibida na Amazônia


Decisão protege golfinhos e jacarés que são usados como isca; Pesquisas tiveram papel importante para gerar conhecimento sobre a situação das espécies e fornecer subsídios para a implementação da nova medida.


Com a proibição temporária da pesca da piracatinga (Calophysus macropterus), espécies como o boto-vermelho (Inia geoffrensis), na foto, sofrerão menor pressão antrópica. 
Crédito: Fábio Colombini
A partir de janeiro 2015, a pesca da piracatinga (Calophysus macropterus) estará proibida na Amazônia. A moratória, que vale por cinco anos, tem como objetivo proteger os jacarés e botos-vermelhos (golfinhos amazônicos) que atualmente são utilizados como isca nessa modalidade de pesca. “Essa é uma grande vitória para a natureza”, afirma Sannie Brum, pesquisadora do Instituto Piagaçu (IPI) que desenvolveu um projeto para conservação do boto-vermelho (Inia geoffrensis) e já alertava sobre essa problemática desde 2009, quando teve uma pesquisa apoiada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. A instrução normativa foi assinada pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, além do ministro da Pesca e Aquicultura, Eduardo Lopes.
 
Segundo Sannie, as pesquisas científicas são muito importantes para o processo de aprovação de instruções normativas, pois seus resultados balizam as discussões. “Os dados alarmantes das pesquisas que foram divulgados nos meios de comunicação contribuíram para fornecer subsídios para o Ministério Público preparar a primeira recomendação que resultou nessa moratória. Acreditamos que esses resultados motivaram e contribuíram significativamente para a instrução normativa”, explica.
 
As instituições que financiam os estudos também têm papel fundamental em resultados como esse. “Elas são primordiais, pois os dados não seriam conseguidos sem o apoio dos financiadores, e sem essas informações o poder público teria maiores dificuldades para tomar providências, levando mais tempo para identificar os problemas. É um ciclo de geração de conhecimento que gera conservação”, destaca Sannie Brum. Uma dessas instituições é a própria Fundação Grupo Boticário, que desde 1990 já apoiou cinco iniciativas para a conservação do boto-vermelho na Amazônia. Outra ONG importante é a Associação Amigos do Peixe-Boi (AMPA), criada em 2001 para proteger as espécies de mamíferos aquáticos da Amazônia, como o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis), a lontra neotropical (Lontra longicaudis) e a ariranha (Pteronura brasiliensis), além do próprio boto-vermelho (Inia geoffrensis).
 
Fiscalização é essencial
 
Apesar da importância da criação da moratória, é importante que ela não fique apenas no papel. De acordo com Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, essa questão é fundamental. “A assinatura da instrução normativa é um grande passo, mas é preciso colocá-la em prática para promover no longo prazo a conservação efetiva das espécies que estão sendo utilizadas para pescar a piracatinga”, comenta.
 
Ao ressaltar a importância do monitoramento da pesca, Malu lembra que a grande extensão do bioma amazônico é um fator que precisa ser considerado. “É preciso forte fiscalização nos rios onde há ocorrência de pesca para que as embarcações flagradas com piracatinga possam ser autuadas, garantindo a aplicação dessa nova política pública. Além disso, esse monitoramento precisa ser planejado de forma eficaz, considerando a grande extensão do bioma, os locais de maior ocorrência de pesca, além das dificuldades de acesso”, afirma.
 
Golfinhos em perigo
 
O estudo de Sannie Brum mapeou áreas de ocorrência da pesca da piracatinga na região do baixo Rio Purus, no Amazonas. A iniciativa demonstrou que a morte dos botos-vermelhos decorrente dessa pesca está bem acima de qualquer limite seguro, e que a atividade pesqueira é a grande ameaça à conservação da espécie na região. O projeto, que teve o apoio da Fundação Grupo Boticário, estima que o volume anual de pesca provoque a morte de 67 a 144 botos-vermelhos anualmente. Essa quantidade está bem acima do limite teórico de mortalidade, estimado em apenas 16 animais. A alta mortalidade do golfinho amazônico é explicada pelo seu uso como isca para a captura da piracatinga, pescado de baixo valor comercial, mas alta produtividade, característica que o torna uma importante fonte de recurso para os pescadores locais. Embora o peixe seja comum na região, não é usado para alimentação dos habitantes ribeirinhos, pois se alimenta de animais em decomposição.
 
Nas áreas pesquisadas, o volume de pesca da piracatinga é de ao menos 15 toneladas por ano, ritmo que ameaça seriamente a sobrevivência dos botos-vermelhos na região, caso continuem sendo usados como isca. “Por isso a importância dessa instrução normativa ser colocada em prática o quanto antes”, explica Sannie. A pesquisadora alerta ainda que as características da espécie contribuem para a vulnerabilidade do golfinho. “Eles têm reprodução lenta; após cerca de dez meses de gestação a mãe pode cuidar de seu filhote por até quatro anos, então a inserção de outro boto na natureza é demorada. Retirar da natureza, em grande quantidade, animais com esse tipo de característica biológica pode inviabilizar a manutenção da espécie”, alerta.
 
Outras ameaças
 
De acordo com o Plano de Ação Nacional para a Conservação (PAN) de Pequenos Cetáceos, que inclui o boto-vermelho, além da pressão de pesca, a espécie ainda enfrenta degradação de seus habitats. No Pará, o grande fluxo de embarcações no Rio Trombetas representa essa realidade. Já no Amazonas, um grande fator de pressão antrópica são as atividades petroquímicas, como a exploração e transporte de óleo e gás, em Manaus. O turismo desordenado, a implantação de novas usinas hidrelétricas e as atividades de garimpo e mineração também afetam os habitats do golfinho, fragmentando as populações e reduzindo o potencial genético da espécie.

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