Projeto usa botos do rio Negro (AM) para reabilitar crianças com deficiências
fonte Folha de São Paulo
JULIANA VINES
ENVIADA ESPECIAL A IRANDUBA (AM)
ENVIADA ESPECIAL A IRANDUBA (AM)
Leonardo Cavalcante, 15, nada tão bem que poderia ser chamado de
menino-boto. Há oito anos, quando começou a fazer terapia com
botos-cor-de-rosa, no rio Negro, em Iranduba (25 km de Manaus), ele mal
andava. "Não tinha equilíbrio, só caía", diz.
Leonardo nasceu sem os braços e com uma diferença de altura entre as
pernas. Ele foi um dos primeiros pacientes de boto-terapia do
fisioterapeuta Igor Simões Andrade, 37, que adaptou para a realidade
amazônica uma técnica de tratamento já existente no exterior, feita com
golfinhos em cativeiro.
"No primeiro dia tive medo de tudo", lembra o menino, que aprendeu a
nadar imitando o movimento dos animais. "Vejo como eles fazem e vou
atrás. Hoje peguei carona com um, nadei ao lado e depois fiquei em cima
dele", conta.
Renzo Gostoli/Divulgação | ||
O fisioterapeuta Igor Simões Andrade com Wendel Albuquerque, 3, em sessão de boto-terapia no rio Negro (AM) |
Desde o início do projeto, aprovado há quatro anos pelo Ibama, Andrade
contabiliza cerca de 600 atendimentos, quase todos feitos de graça em
crianças com deficiências motoras, síndrome de Down ou doenças do
sangue, como anemia falciforme, encaminhadas por instituições parceiras
do terapeuta.
A atividade, que antes era feita uma vez por mês com o apoio de um hotel
da região, vai ser ampliada agora graças a uma parceria com a Ampa
(Associação Amigos do Peixe-Boi). O objetivo é atender 70 crianças por
ano. Hoje há fila de espera.
"Meu sonho é fazer uma sessão por semana", diz Andrade. A cada encontro,
ele leva a um flutuador no meio do rio um grupo de quatro ou cinco
crianças. Antes de cair na água, elas são atendidas individualmente pelo
fisioterapeuta, que é especialista em rolfing, técnica de terapia
corporal surgida nos EUA (mais informações no site bototerapia.com).
Depois, as crianças ficam na água de 20 a 30 minutos, quando tocam o
animal e fazem exercícios inspirados no rolfing. "Imitamos movimentos do
boto, trabalhamos a força nas pernas, capacidade respiratória,
flexibilidade."
Mineiro radicado em Manaus desde 2005, Andrade conquistou a amizade de
um grupo de botos brincando com bolinhas. "A empatia foi instantânea,
mas me preparei por quase um ano antes de trazer as crianças."
Hoje são cerca de 20 animais, que ficam livres e são atraídos pelas
bolinhas na hora da sessão. Alguns têm até nome, como Moleque e Menteco.
O paciente-modelo, Leonardo, vai a todas as sessões e ajuda a monitorar
novos adeptos, como Ezequiel Ruiz da Silva, 6, que está no quarto
encontro. A avó, Maria Auxiliadora de Oliveira Ruiz, 53, já vê
resultados. "Ele era muito inquieto, tem problemas na coordenação
motora. Agora está mais centrado, até a professora elogiou."
BICHO-TERAPEUTA
A terapia assistida por animais não é novidade. As técnicas mais
conhecidas usam cães ou cavalos, mas há também terapia com pássaros,
coelhos, roedores, gatos.
Em geral, o animal serve como ponte entre o paciente e o terapeuta,
quebrando o gelo e fortalecendo o vínculo, diz Ceres Faraco, veterinária
e doutora em psicologia.
"Ele serve como motivação para o tratamento. Pode ser usado para tratar
pessoas com transtornos psiquiátricos, motores e doenças degenerativas."
Segundo o fisiatra Daniel Rubio, da Rede de Reabilitação Lucy Montoro,
apesar dos bons resultados, ainda falta comprovação científica para os
resultados das terapias com bichos. Mais ainda para a que usa golfinhos
ou botos.
Renzo Gostoli/Divulgação | ||
Leonardo Cavalcante, 15, antes da sessão de boto-terapia |
"Sem dúvida há uma riqueza de estímulos, principalmente em associação ao
meio aquático. Mas não há garantias de seus benefícios."
Faraco faz ressalvas quanto à segurança do tratamento. "Não são animais
previsíveis como cães. Eles podem interagir de forma violenta. Há risco
de passar ou pegar uma infecção do animal."
Segundo Andrade, não há casos de infecções entre crianças do projeto.
Vera Silva, pesquisadora do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia) e conselheira da Ampa, diz que as crianças não têm doenças que
possam transmitir aos botos. "A convivência com eles é prazerosa, tudo
contribui para melhorar a motivação dos pacientes."
A jornalista viajou a convite do Oi Futuro
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