fonte : https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/08/Por-que-o-litoral-norte-de-S%C3%A3o-Paulo-est%C3%A1-sendo-invadido-por-baleias-jubarte
por Beatriz Montesanti
8 Jul 2016
Os animais, quase extintos na década de 1960 até a caça ser proibida, têm aparecido no canal entre Ilhabela e São Sebastião
Nas últimas semanas, moradores e turistas de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, têm avistado
com certa frequência baleias jubartes fazendo acrobacias a algumas
centenas de metros da costa. Baleias por vezes aparecem nas águas que
dividem o arquipélago do continente, mas nunca foram vistas com tamanha
constância e quantidade.
Baleias jubartes migram mais de 25 mil
quilômetros a cada ano, indo das áreas de alimentação para as de
reprodução. No verão, ficam em águas polares, deslocando-se aos trópicos
no inverno para acasalar. No Brasil, vivem comumente na região dos
Abrolhos, no sul da Bahia e norte do Espírito Santo. Num raio maior,
aparecem na faixa que vai do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte. E,
por vezes, aparecem em menor quantidade em locais mais inusitados ao
longo da costa, como o litoral de São Paulo.
A questão é: o que
tem provocado o aumento expressivo dos animais nessa região e, ainda, o
que
isso pode significar para a economia e o ecossistema locais?
Há pontos positivos e negativos, explica ao Nexo Milton
Marcondes, médico veterinário e coordenador de pesquisa do Projeto
Baleia Jubarte, instituto dedicado à preservação do animal e localizado
em Caravelas, na Bahia.
As baleias jubartes quase foram extintas. A
população havia reduzido 90% quando a caça da espécie foi proibida, em
1966 - o óleo dos animais era usado para iluminação e construção de
casas coloniais. Desde então, graças aos esforços para preservá-las, o
número de baleias tem voltado a subir. Hoje, calcula-se que haja cerca
de 17 mil exemplares na costa brasileira, ante os pouco mais de 600 que
restavam na década de 1960. O aumento do número de representantes da
espécie pode explicar, ao menos em parte, sua maior incidência em locais
menos comuns.
“Pode ser que houvesse antes jubartes que iam até o
litoral de São Paulo, mas por serem poucas, não víamos ou não tínhamos
notícia”, sugere Marcondes. Além disso, lembra ele, o desenvolvimento
das tecnologias de informação faz com que essas incidências sejam mais
registradas e se espalhem rapidamente pela internet.
Mas há ainda
outra possibilidade para o desvio de rota, de natureza ambiental: a
ocorrência dos fenômenos climáticos “El Niño” em 2015 e “La Niña” em
2016. “Mudanças climáticas mudam correntes marinhas e a distribuição de
alimentos. Por isso as baleias podem ter saído do curso tradicional”,
explica o veterinário.
Possíveis consequências do aumento de jubartes
Essas
baleias têm entre 12 e 16 metros de comprimento e podem passar de 40
toneladas de peso. Quando saltam, retiram quase todo o seu corpo da
água, provocando um espetáculo atraente ao turismo.
Segundo
Marcondes, caso a população de jubartes cresça e sua presença se torne
constante no litoral norte de São Paulo, abre-se uma perspectiva
interessante para o turismo de observação de baleias na região. “Além de
ser vantajoso para a cidade, essa é uma ótima ferramenta para educar
pessoas e dar um valor econômico para a conservação das baleias”, diz
ele, citando o exemplo como moeda de troca para evitar o abate dos
animais. “O turismo gera renda para muita gente, é um contra-argumento
valioso para a caça.”
Em contrapartida, os animais passarão a
habitar um ambiente bem diferente do anterior à década de 1960, quando a
população da espécie ocupava em abundância os mares. Há mais redes de
pesca, barcos, portos, docas e navios. É necessário realizar um trabalho
de conscientização com trabalhadores e velejadores locais para garantir
que as baleias circulem pelas águas com segurança.
Em Abrolhos, o
Projeto Baleia Jubarte avisa velejadores sobre os locais nos quais as
baleias geralmente ficam durante a temporada. Além disso, muitos
pescadores trocaram suas redes de espera, que pernoitam boiando na água,
pela rede de fundo, retirada no mesmo dia, que apresentam menos risco
para os animais se enroscarem. Só neste ano, das 24 baleias encontradas
encalhadas no litoral, seis ficaram presas em redes de pesca.
“É
importante que as pessoas avisem as instituições que trabalham com o
resgate desses animais quando encontrarem algum [encalhado], mesmo que
morto. Serve para estudarmos e entendermos o que está prejudicando a
espécie”, conclui Marcondes.